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As Universidades e os Movimentos Sociais


Uma Problemática Engendrada de Interrrelações e uma Grande Inércia a Ser Superada


Vivemos um momento de grandes discussões sobre as desigualdades sociais, a problemática do racismo, preconceitos e intolerâncias correlatas, e a influência destes fatores limitantes do desenvolvimento humano em setores fundantes da sociedade como a educação e a saúde. Um momento onde estão sendo, ou foram, realizadas diversas conferências, a citar a Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), e a Conferência Nacional de Educação (Conae).
A priori, poderíamos fazer as seguintes avaliações sobre este panorama: 1) que finalmente a sociedade esta problematizando as questões que são importantes para avançarmos em ações políticas que combatam as fontes das desigualdades sociais; e 2) que a sociedade cívil está sendo convocada, mediante estas conferências para, junto com representantes do governo, construirem resoluções que nortearão as políticas públicas dos próximos anos.
Porém, quando consideramos as condições na qual estas conferências ocorreram/ocorrem, o que percebemos é uma situação diferente das avaliações otimistas supracitadas. A começar pelo formato destes eventos, onde naturalmente muitas pessoas importantes para o processo de construção de resoluções contra-hegemonicas ficaram/ficam de fora das etapas finais do processo (etapas estaduais e nacionais). A eleição de delegados (as) nas etapas iniciais destas conferências acaba por acirrar a competição pelos “postos de autoridade/representatividade social”, estimular disputas entre as organizações da sociedade cívil, e provocar uma série de desgastes políticos e pessoais, se traduzindo em uma estratégia de desarticulação dos movimentos. No que se refere a metodologia de trabalho destas conferências, tanto os GT´s (grupos de trabalho referentes aos eixos temáticos) quanto as plenárias, não permitem um debate qualificado sobre os referidos eixos com uma adequada problematização e reflexão sobre os temas. A importância da questão racial traduzida pelo debate acerca do racismo e desigualdades raciais nestes eventos de construção de resoluções, é colocada quase sempre em segundo plano, sendo que os militântes do movimento negro acabam tendo que despender muita energia para inserir na pauta essas reivindicações que são fundamentais.
Anteriormente a estas conferências, os movimentos sociais, notadamente os coletivos/organizações negras, já vinham se organizando e assumindo um comportamento orgânico buscando empoderamento jurídico, político, financeiro, e midiático, dentre outros domínios, sendo que esta situação já vem a algum tempo suscitando uma série de conflitos em algumas esféras sociais, e despertando o interesse de pesquisadores das ciências humanas para a investigação do fenômeno da militância por direitos humanos. O movimento negro, ao longo dos anos, vêm se organizando em grupos de pesquisa, bibliotecas comunitárias, posses de Hip-Hop, grupos e organizações culturais, e cada vez mais vêm ganhando notoriedade junto a população.
Já a escola (ensino formal) sofre um processo de descrédito social muito forte. Uma situação caótica se estabeleceu, onde os professores da rede pública de ensino (fundamental e médio) no geral apresentam grande dificuldade para “educar” seus alunos; sofrem de síndrome de burnout (esgotamento mental, estresse, e outros sintomas), saem de licença médica, são ameaçados e desrespeitados pelos alunos, dentre outras situações adversas. Neste mesmo contexto, surge a figura do educador social, liderança comunitária, uma figura que atua no chamado ‘3º setor’, em organizações de movimentos sociais, e que vêm ganhando legitimidade social por conseguir atuar junto às populações cujas instituições de ensino tradicionais não conseguem atingir.
A problemática está estabelecida. Situo as instituições de ensino tradicionais (escolas) e os processos políticos como as conferências que vêm ocorrendo Brasil afora, como instrumentos complementares para a geração de eqüidade social e aumento da qualidade de vida populacional. Porém, por um lado, as escolas, salvo poucas exceções, não conseguem atuar de forma adequada junto aos alunos para atingir os objetivos estabelecidos nas Leis de Diretrizes e Bases da educação e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, principalmente no que se refere ao desenvolvimento pleno do cidadão crítico e participativo e na construção de uma sociedade justa e plural. Por outro lado, as conferências nacionais citadas acima, enquanto estratégias para diminuição das desigualdades sociais e construção de uma sociedade mais humana, por várias razões não produzem o efeito desejado pelos setores mais vulneráveis da sociedade, e acabam por não gerar mudanças estruturantes e relevântes. O 3º Setor está crescendo em processo de estruturação, mas de forma geral ainda não goza de uma superestrutura capaz de gerar mudanças de grandes proporções, apesar de termos ONG´s que geram intervenções sociais de grande impacto e relevância, notadamente as organizações de mulheres negras feministas. Entretanto, muitas organizações da sociedade cívil acabam por fazer aliança com o 1º Setor mediante editais de financiamento e outras vias, e este processo, mais do que oferecer uma solução à órdem sócial vigente, pode legitimar o poder estabelecido, dependendo da maneira como é concebido.
Talvez uma válvula de escape para suavizar a tensão gerada por essa problemática engendrada seja a universidade. Porém, nossas universidades (instituições produtoras de pesquisas) estão engessadas, presas a uma camisa de força acadêmica, ainda muito distantes dos movimentos sociais, e pior, encontrando-se homogênea em sua população de acadêmicos. Desta forma, a universidade não é capaz de gerar conhecimento que ofereça uma saída a este caos social, e da mesma forma, não fornece a contrapartida social que deveria fornecer. Ou seja, as universidades brasileiras, de forma geral, não conseguem contribuir para a superação dos problemas sociais mais importantes. As pesquisas produzidas nas instituições de ensino superior acabam servindo a um único propósito: o benefício próprio do pesquisador, seja para alcançar maior prestígio acadêmico, melhorar o curriculo Lattes, ganhar bolsas de pesquisa, ou outras benecies.
Observamos nos últimos anos um aumento na publicação de pesquisas acadêmicas sobre saúde da população negra, movimento Hip-Hop, sobre religiosidade de matriz africana – notadamente sobre o Candomblé e a Umbanda, e também sobre as muitas línguas de matriz africana, alem de pesquisas com temas correlatos. Quem são os protagonistas destas pesquisas? Com que propósito estas pesquisas estão sendo realizadas? Quais as conclusões levantadas nestes documentos publicados? Quem são os leitores destas pesquisas? Qual o impacto destas na sociedade?
As universidades devem se aproximar dos movimentos sociais, reduzindo o abismo existente entre ambos. As políticas de ações afirmativas devem ser radicalmente ampliadas nestas instituições, de modo a permitir uma mudança na distribuição dos alunos, aumentando sua população negra e indígena. Desta maneira, e só assim, poderíamos assitir ao aumento do número de pesquisas públicadas com um olhar diferenciado dos aspectos sociológicos e políticos dos diversos problemas apontados acima, desta forma auxiliando a formulação de resoluções para políticas, em eventos como a Conapir e outros, para a promoção de mudanças estruturantes. Este quadro idealizado traduziria uma situação a somar forças com o importante trabalho político, educacional, e científico, que já vêm sendo conduzido pelo 3º Setor em diversas áreas, de modo a contribuir com a superação e/ou contraposição às forças historicamente hegemônicas e determinantes da sociedade.
Infelizmente a inércia a essa solução é grande, e exemplo disso foi o processo de aprovação do desempoderado estatuto da igualdade racial...

Por José Evaristo S. Netto