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PRIMEIRA JUÍZA NEGRA DO PAÍS LANÇA LIVRO SOBRE NEGRO NO SÉCULO XXI

O tom impessoal do livro O negro no século XXI é apenas uma opção estratégica. Escrito pela juíza baiana Luislinda Dias de Valois Santos, 67, reúne artigos sobre temas variados como cultura, educação, políticas públicas, justiça social e religião. Todos mediados pela experiência negra no país pós-escravidão.
Poderia ser a história da própria Luislinda, que teve avô escravo, pai motorneiro de bonde, cuidou dos irmãos menores quando a mãe morreu precocemente e só se formou advogada aos 39 anos. E era essa mesmo a intenção, quando ela começou a escrevê- lo.
Seria um desabafo diante de mais uma situação difícil: dois processos contra ela , já arquivados por falta de provas, no Tribunal de Justiça da Bahia. Isto foi no início desta década. “Não fiz pesquisas. Tudo que falo é por conhecimento de causa”, afirma Luislinda, que lança o trabalho quarta- feira, às 19h30, na Saraiva Megastore (Salvador Shopping).

Luislinda foi a primeira negra brasileira a entrar para a magistratura
Sobre a escola pública, por exemplo, fala com intimidade. Foi no Colégio Duque de Caxias, na Liberdade, que ouviu a sentença de um ex-professor, irritado por causa de seu pobre material escolar: “Se não pode comprar é melhor parar de estudar e ir cozinhar feijoada na casa de branca”.
E se o tema é religião, recorda, foi testemunha das idas e voltas da tia Helena Grande a uma delegacia para pegar autorização para o funcionamento do terreiro de candomblé, no bairro de Pirajá.
Mas Luislinda resolveu tirar o foco de si mesma,e tratar de temas caros à maioria. Como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas, que defende com veemência. “O sistema de cotas aproxima pessoas que vivem de forma desigual”, defende a magistrada, que integrou a equipe que implantou a medida na Uneb.
Ela também defende a ampliação das cotas para setores como o serviço público. “Precisamos ter mais médicos, engenheiros e juízes negros. É preciso oportunizar. A competência e a inteligência não são privilégios de uma única raça”, discursa.
Guerreira
Mãe do promotor de justiça Luis Fausto - que atua em Sergipe -, e avó de duas meninas, Luislinda diz que sempre falou para eles que ser negro é maravilhoso. Mas também que não era para deixar ninguém tomar conta deles. “Sou muito séria nas minhas posições. Não posso vacilar, afinal sou negra, pobre, vim da periferia, sou divorciada e ainda sou rastafári”, brinca.
Primeira juíza negra brasileira, Luislinda também foi a primeira a dar uma sentença tendo como base a Lei do Racismo. Foi a ação movida por Aila Maria de Jesus, que se recusou a abrir a bolsa num supermercado, depois de ter sido acusada injustamente de ter roubado um frango e um sabonete.
A trajetória da magistrada impressionou a jornalista paulista Lina de Albuquerque, autora do livro Recomeços, que reúne histórias de pessoas que foram capazes de reconstruir a vida diante de uma situação adversa. Depois de fazer um pequeno perfil da baiana para a publicação, Lina
está escrevendo a biografia dela, que deve ser lançada até o final do ano.
Na época em que participou do Miss Mulata (1966)
Há ainda uma articulação para um documentário. “Vamos mostrar como é difícil ser negro na Bahia”, afirma Luislinda, que atuou durante seis anos em Curitiba e diz que lá foi mais bem-aceita.
Atualmente, ela está em licença- prêmio da função de titular do juizado da Faculdade Jorge Amado. E ainda hoje, conta, se depara com situações como a da advogada que estava em sua cadeira e não acreditava que estava diante da juíza. “Tenho sempre que me impor”, reitera.
Entre os planos para o futuro está o de ser nomeada desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia. “Sou a sétima juíza mais antiga e tenho competência para isso”, provoca a filha de Iansã, que joga búzios, lê cartas e frequenta o terreiro Dembaukueman, da ialorixá mãe Bebé, no Buraco da Gia (Vasco da Gama).
“Adoro vermelho. É a cor da dona da minha cabeça”, diz Luislinda, referindo-se à orixá guerreira. A cor ela traz até nos cabelos. “Acompanho a evolução”, diverte-se a juíza, que já usou black power e concorreu a Miss Mulata em 1966. Ficou com o título de Simpatia.
FICHA Livro O negro no século XXI Autora Luislinda Dias de Valois Santos Editora Juruá H Preço R$19,90 (83 páginas) Lançamento Quarta, às 19h30, na Saraiva Megastore (Salvador Shopping)
Foto: Divulgação/Ricardo Prado
Foto: Arquivo Pessoal

Ana Cristina Pereira Redação CORREIO
Retirado do site Correio 24horas